Comemora-se hoje o Dia Mundial da Tuberculose. Para assinalar o dia partilhamos uma mensagem da pneumologista, Bárbara Seabra, coordenadora do Centro de Diagnóstico Pneumológico (CDP) de Matosinhos e interlocutora Hospitalar do Programa Nacional para a Tuberculose na Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM), que dá conta de um aumento do número de casos no concelho.
“As últimas décadas foram caracterizadas por conquistas sucessivas no projeto internacional de erradicação da Tuberculose a nível mundial: “The End TB Strategy”.
Os objetivos traçados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) são claros e ambiciosos visando atingir uma redução em 95% do número de mortes por TB e 90% a taxa de incidência de tuberculose até 2035.No último biénio, porém, as medidas de confinamento, a realocação de meios, tempo e recursos para o combate à pandemia COVID-19 condicionaram o progresso global no combate à Tuberculose.(1)
O ano de 2020 foi caracterizado por um decréscimo na taxa de notificação de novos casos de Tuberculose (TB) a nível mundial2. O Relatório de Vigilância e Monitorização da Tuberculose em Portugal emitido pela Direção Geral de Saúde, por sua vez, reporta uma desaceleração na redução percentual anual desta patologia, associada a uma diminuição abrupta do número de casos, em Portugal, em 2020, também manifesta no município de Matosinhos em 2020 e 2021.3 No entanto, mais do que uma diminuição da incidência real de casos de TB, este decréscimo poderá ser o reflexo do atraso de diagnóstico e/ou do seu subdiagnóstico.
Segundo os dados mais recentes da OMS, em 2021 era já evidente um recrudescimento global do número de casos de TB notificados. Pela primeira vez em mais de uma década ocorreu um aumento na taxa de incidência de Tuberculose a nível mundial e, pelo segundo ano consecutivo, um aumento da taxa de mortalidade associada à mesma. Esta evolução constitui um retrocesso na conquista dos objetivos estabelecidos pela OMS no âmbito da luta contra a Tuberculose, sendo mais evidente nos países com menores recursos e com alta incidência de TB. (2,4)
Em Matosinhos, dados preliminares da população em seguimento no CDP sugerem um aumento significativo do número de notificações de novos casos de TB, evidente apenas em 2022. Pela primeira vez desde 2015, aparenta ter ocorrido uma inversão da tendência de decréscimo da taxa de incidência de Tuberculose no município, regredindo para valores próximos de 2017/2018.
Paralelamente ao que vem sucedendo a nível internacional, esta evolução aparentemente desfavorável em 2022 poderá representar a recuperação parcial dos casos não diagnosticados nos anos prévios, sugerindo um aumento na demora do diagnóstico no biénio precedente.
O atraso no diagnóstico da Tuberculose está associada ao manifestações mais graves de doença e a períodos mais longos de exposição de contactos, a curto prazo. A médio e longo prazo, é expectável o aumento da taxa de incidência e mortalidade associada à Tuberculose, assim como o incremento da proporção da população infetada pelo Mycobacterium tuberculosis, tolhendo a desejável interrupção da sua cadeia de transmissão na comunidade.
Por outro lado, prevê-se um período de crise financeira, instabilidade política e socioeconómica internacional, proximamente, que poderá coincidir com um aumento de população imigrante e/ou refugiada, frequentemente de oriunda de regiões com elevada incidência de TB (incluindo formas multi-resistentes) e elevada prevalência de infeção pelo VIH (comummente associada à Tuberculose) (5).
Reforça-se a importância da continuidade da estratégia adotada pela ULSM em 2022: de sensibilização dos profissionais de saúde ao nível do Cuidados de Saúde Primários para a deteção e diagnóstico da Tuberculose, numa relação de proximidade com o CDP e em articulação com as equipas hospitalares. Neste contexto, realce-se ainda o foco na abordagem e orientação precoce das populações vulneráveis, com suspeita e/ou diagnóstico de Tuberculose.
O investimento no diagnóstico precoce e na prevenção primária e secundária pró-ativa da Tuberculose já mostrou os seus frutos num passado recente. O contributo de todo e de cada um dos profissionais de saúde da ULSM nesta tarefa é agora, mais do que nunca, essencial, para consolidar todas as conquistas prévias na luta contra a Tuberculose em Matosinhos.
Urge retomar o percurso, interrompido em 2020, visando as metas definidas para a comunidade de Matosinhos, claramente ao nosso alcance desde que assegurada a consistência na sua abordagem estratégica.
Juntos podemos contribuir para a erradicação da Tuberculose.”
Bárbara Seabra
Interlocutora Hospitalar do Programa Nacional para a Tuberculose
Referências:
(1) “End TB Strategy 2015” – https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/331326/WHO-HTM-TB-2015.19-
eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
(2) Global tuberculosis report 2021 – OMS 2021 – https://www.who.int/publications/i/item/9789240037021
(3) Relatório de Vigilância e Monitorização da Tuberculose em Portugal – Dados definitivos 2020 – DGS Portugal https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/relatorio-de-vigilancia-e-monitorizacao-da-tuberculose-em-portugal-dados-definitivos-2020-pdf.aspx
(4) World TB report 2022 – OMS
(5) Tuberculosis-surveillance-monitoring-europe-2022_2020 – ECDC Europe